Por que fazer um Pacto Antenupcial ou um Contrato de Convivência? 3 motivos fundamentais
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1. Introdução.
Diariamente clientes questionam sobre a (des) necessidade de realização de um pacto antenupcial ou de um contrato de convivência. O receio de apresentação do tema ao parceiro afetivo, somado aos riscos patrimoniais e procedimentais de um futuro desenlace, costumam ser os claros objetos de ponderação.
Diante disto, elenca-se, de forma ponderada, 3 (três) motivos fundamentais em prol da realização de um pacto antenupcial ou de um contrato de convivência. Antes, porém, questiona-se: o que é o pacto antenupcial e o contrato de convivência?
2. Entendendo o Pacto Antenupcial e o Contrato de Convivência.
Tradicionalmente conceitua-se o pacto antenupcial como um contrato, realizado antes do casamento, através do qual se estipula, além do acordo de gestão patrimonial, outras cláusulas de cunho econômico, regrando a circulação de riquezas entre o casal e em face de terceiros (CC, art. 1.639).
Ensina Pontes de Miranda que situa-se o pacto antenupcial entre o contrato obrigacional, como se fora um contrato de sociedade, e o casamento, como irradiador de efeitos[2].
O contato nupcial é formal, devendo ser realizado por escritura pública, sob pena de nulidade absoluta. Além disso, o pacto apenas produzirá os seus efeitos quando do casamento (CC, art. 1.653).
Logo, um pacto realizado por escritura pública e no qual não se siga o casamento, será válido, porém ineficaz. Na casuística do pacto ser realizado e a ele não se seguir o casamento, passando os nubentes a conviver em união estável, há acertados posicionamentos jurisprudenciais que o aceitam como contrato de convivência, apto a regular a união estável [3].
O pacto antenupcial demanda registro, especificamente no cartório de registro de imóveis do domicílio dos cônjuges, em livro especial, sob pena de ineficácia perante terceiros (CC, art. 1.657). O registro é visto como condição eficacial do pacto perante terceiros – efeitos erga omnes -, e não de validade. Assim, realizado o pacto por escritura pública, e sem o registro, já será válido e hábil a produzir efeitos entre os cônjuges, quando do casamento.
Em suma-síntese: o pacto antenupcial deve ser necessariamente feito por escritura pública, no Tabelionato de Notas, e, posteriormente, levado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, onde será realizado o casamento. Após o casamento, o pacto deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal, para que produza efeitos perante terceiros, e também será averbado na matrícula dos bens imóveis do casal.
D’outra banda, o contrato de convivência é o sucedâneo do pacto antenupcial na união estável. Nessa esteira, com o intuito de escolher o regime de bens na união estável, podem os companheiros celebrar um contrato escrito (CC, art. 1.725).
Malgrado o Código Civil demandar apenas a forma escrita para o contrato de convivência, aconselha-se seja feito por escritura pública, com o intuito de minorar possíveis arguições de vícios de consentimento.
Diferentemente do pacto antenupcial, o contrato de convivência pode ser realizado a qualquer momento - antes ou durante a união –, sempre tendo efeitos ex nunc (não retroativos).
Em síntese, o contrato de convivência é o instrumento escrito que faz as vezes do pacto antenupcial na união estável.
Conclui-se que tanto o pacto antenupcial, como o contrato de convivência, objetivam, primordialmente, conferir aos integrantes do casamento, ou da união estável, respectivamente, exercício de autonomia na esfera dos relacionamentos afetivos. Mas, afinal, quais os motivos de utilização destes instrumentos?
Para responder a esta indagação, elenca-se três motivos fundamentais.
3. Primeiro Motivo: Fazimentos e Desfazimentos Afetivos.
A forma que os relacionamos afetivos se constroem e se dissolvem experimentou grande modificação nos últimos anos. Há uma clara amplificação de relacionamentos, cada vez mais efêmeros e com grande nível de intimidade[4].
Ao que parece, o modelo capitalista de consumo, em certa medida, invadiu os afetos. A sociedade fast food instituiu o fast love, e a eternização afetiva é uma moldura cada vez mais distante e, em certa medida, utópica.
Tal percepção trouxe consigo uma preocupação. Se os relacionamentos não mais são eternos como outrora, e as dissoluções acontecem, a preparação para um possível término, com proteção patrimonial e regras procedimentais, tornou-se tema da ordem do dia. Afinal, uma dissolução afetiva, além de traumática, poderá ser bastante custosa.
Nesse cenário percebe-se o primeiro fundamental motivo de realização de um pacto antenupcial ou de um contrato de convivência: a mitigação das futuras perdas financeiras e/ou pessoais, quando do término afetivo.
4. Segundo Motivo: Escolha do Regime de Bens.
A regra geral, no sistema nacional, é o regime da comunhão parcial de bens [5]. Este se aplicará quando houver casamento ou união estável no qual não haja pacto antenupcial ou contrato de convivência (CC, arts. 1.640 e 1.725).
Para que as partes afastem a regra geral do regime da comunhão parcial, devem exercitar a autonomia mediante o uso do pacto antenupcial ou do contrato de convivência. Com tais instrumentos poderão eleger regime de bens diverso, aumentando o nível de comunicação patrimonial – a exemplo da comunhão universal – , a reduzindo – como na participação final nos aquestos -, ou a nulificando – como na separação convencional de bens.
Será justamente o regime de bens eleito que ditará, no momento da dissolução afetiva, a forma de divisão patrimonial.
Ademais, ainda na questão patrimonial, poderão as partes elencar bens que são exclusivos – por serem, por exemplo, anteriores ao relacionamento -, regulamentar doações entre os cônjuges ou, até mesmo, construir regime de bens inédito, desde que obediente à teoria geral do direito.
Nessa senda, o segundo motivo de realização do pacto ou do contrato de convivência é a possibilidade de programar, para o futuro, as regras aplicáveis quando da dissolução afetiva, no que se relaciona à divisão patrimonial.
5. Terceiro Motivo: Escolha de Regras Procedimentais.
Com o advento de um novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), tornou-se viável, no Brasil, os chamados negócios jurídicos processuais atípicos. Permite-se, portanto, o autorregramento da vontade no processo [6].
A inovação nacional foi influência do direito estrangeiro, haja vista o tema ter notícia no direito germânico (prozessverträge), inglês (case management), norte americano (contracting for procedure), italiano (gli accordi processual e dei negozi processuali) e francês (contrat de precédure) [7].
A novidade, ressalta-se, é a ampliação, com a possibilidade dos negócios jurídicos processuais atípicos. Os negócios jurídicos processuais típicos – a exemplo da eleição de foro –, há muito já eram viáveis [8]. Destarte, hoje há uma verdadeira cláusula geral permissiva dos negócios jurídicos processuais (CPC, art. 190).
Verifica-se o negócio jurídico processual como um fato jurídico voluntário, que reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites da lei, certas situações jurídicas processuais, bem como alterar o procedimento. Obriga partes, herdeiros e sucessores[9].
Para que haja negócio jurídico processual atípico, as partes devem ser plenamente capazes e a causa versar sobre direito que admita autocomposição. O negócio poderá estipular mudanças no procedimento – para ajustá-lo às especificidades da causa – e/ou convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.
Quando o objeto disser respeito ao procedimento, demanda-se uma clara relação entre a mudança procedimental e as especificidades da causa. Aqui o acordo procedimental não partirá da vontade ilimitada das partes, mas sim de uma vontade condicionada (autonomia privada), visando adequação procedimental às peculiaridades do caso concreto. Cediço concluir que se não houver qualquer especificidade que justifique a alteração do procedimento, o negócio não estará na melhor forma do direito, sendo nulo [10].
No que tange ao negócio que verse sobre posições processuais, seu objeto será ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. O processo - como relação jurídica complexa e continuada -, traduz uma série de posições processuais ativas – poderes, ônus, faculdades e direitos – e passivas – sujeição, deveres e obrigações. Nesse ponto, não se demanda que a alteração seja justificada pelas especificidades da demanda, havendo maior liberdade [11].
Recorda-se, entretanto, que também há no processo posições do juiz. Essas, obviamente, não podem ser objeto de eventual negócio jurídico processual [12]. O raciocínio é simples: as partes não podem dispor sobre aquilo que não lhes pertence. Não é possível afastar o dever do juiz de respeitar a boa-fé processual (CPC. Art. 5o), decidir conforme a legalidade (CPC, art. 8o), fundamentar decisões (CPC, art. 489, § 1o), decidir conforme súmulas e precedentes de eficácia vinculante (CPC, art. 927)...
O negócio jurídico processual pode ser pré ou pós-processual. Pode ser feito no curso do processo, como por acordo extrajudicial, protocolizado em juízo; na presença do juiz, em ato oral na audiência de instrução; ou, até mesmo, na presença do conciliador ou mediador, na audiência prevista no art. 334 do CPC. Igualmente pode ser realizado antes do processo, como em um contrato.
A grande vantagem dos negócios jurídicos pré-processuais, mediante contratos, é a sua imparcialidade. Afinal, nesta fase ninguém sabe quem será o autor ou o réu, nem derredor do ônus da prova. Justamente aqui que cresce a importância do instituto em um diálogo com o pacto antenupcial e o contrato de convivência. Afinal, nessa fase pré processual tem-se como viável aos consortes estabelecerem regras sobre eventual processo de dissolução, o tornando mais célere, menos custoso e traumático [13].
Na linha do dito, seguem algumas boas sugestões de convenções procedimentais em negócios afetivos: ampliação de prazos; possibilidade de divórcio como decisão parcial de mérito; rateio de despesas processuais; dispensa consensual de assistente técnico; retirar efeito suspensivo de recurso; não promover execução provisória; mediação ou conciliação extrajudicial obrigatória, inclusive com a correlata exclusão da audiência preliminar obrigatória do art. 334 do CPC; pacto de simples exclusão da audiência do art. 334 do CPC; pacto de prévia disponibilização de documentação (pacto de disclosure); previsão de meios alternativos de comunicação entre si; acordo para realização de sustentação oral; ampliação convencional da prova; redução de prazos processuais; dispensa de caução e cumprimento de sentença e limitação do processo até a segunda instância [14].
O pacto de disponibilização prévia de documentos, como a obrigatoriedade de apresentação das declarações de imposto de renda, por exemplo, reduz as chances de maquiagens patrimoniais, facilitando quantificações sobre a partilha de bens e alimentos, por exemplo.
A decisão parcial de mérito – conferindo, de pronto, o divórcio -, já retira um dos objetos do processo, reduzindo o nível de litígio.
A limitação do processo ao segundo grau combaterá tentativas infrutíferas e incabíveis de recursos às esferas extraordinárias, com o único fito de tentar retardar o processo.
Enfim, todos bons mecanismos procedimentais que conferirão agilidade ao processo. A disciplina de tais mecanismos já poderá constar do pacto antenupcial ou do contrato de convivência, quando inexiste animus de litígio e há maior conclamação de ideias e ideais. Sem dúvidas, mais um motivo convidativo à pactuação.
6. Conclusão.
Seja pelo crescente número de dissoluções afetivas, seja pela oportunidade de escolha do nível de comunicação patrimonial, seja pela possibilidade de regular as futuras regras procedimentais da dissolução afetiva, sem sombra de dúvidas, a realização do pacto antenupcial e do contrato de convivência é de fundamental importância para o casal.
A possibilidade de prevenção, somada a oportunidade de autorregramento da vontade, resultam na indicação dos instrumentos.
Por fim, o tema em questão foi melhor desenvolvido em um artigo, já publicado, na Revista Fórum de Direito Civil, Vol. XVIII, sob o título “Um Relacionamento para Chamar de Seu: Pacto Antenupcial, Contrato de Convivência e Negócios Jurídicos Processuais”. Fica a indicação para aqueles que buscam maior verticalização sobre o assunto.
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Referências.
[1] Advogado. Sócio Fundador do Luciano Figueiredo Advogados Associados. Doutorando em Direito Civil (PUC/SP). Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista (Pós-Graduado) em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS). Associado Fundador do IBDCONT (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Coordenador Científico do IBDFAM/BA (Instituto Brasileiro de Direito das Famílias – Bahia). Professor de Direito Civil. Palestrante. Autor de Artigos Científicos e Livros Jurídicos. Instagram: @lucianolimafigueiredo. Periscope: @lucianofigueiredo. Contato: luciano@lucianofigueiredo.adv.br.
[2] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. V. 8. Rio de Janeiro: Borsoi, 1871 p. 229.
[3] Sobre o tema, vide o REsp 1.483.863/SP. 4a Turma. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 10.05.2016 e publicado em 22.06.2016.
[4] BAUMAN, Z. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
[5] Fala-se em regra geral, pois, excepcionalmente, o direito impõe o regime da separação obrigatória de bens, a exemplo do casamento do maior de 70 (setenta) anos.
[6] DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. I. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p.19.
[7] In: CABRAL, Antônio do Passo (coord.) NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Processuais. In: DIDIER JR., Fredie. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 191-203.
[8] ASSUMPÇÃO. Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 318.
[9] Como informa o Enunciado 115 do Fórum Permanente de Processo Civil (FPPC).
[10] ASSUMPÇÃO. Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 321.
[11] Como bem posto pelo Enunciado 258 do FPPC.
[12] Vide Enunciado 36 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM).
[13] Assim já se posicionou a I Jornada de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal, ao informar, no seu Enunciado 18, que “a convenção processual pode ser celebrada em pacto antenupcial ou em contrato de convivência, nos termos do art. 190 do Código de Processo Civil”.
[14] Vide Enunc. 19, 21 e 262 do FP
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Luciano Figueiredo
Fonte: llfigueiredo.jusbrasil.com.br/
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